quinta-feira, agosto 09, 2007

Sudoeste 07 - terceiro dia


Ao 3º dia de festival, as noites incompletas ou mal dormidas já começavam a pesar no corpo dos presentes. A afluência também era cada vez menor, em comparação com o primeiro dia, apesar de ainda restarem alguns grandes nomes e concertos para pôr o pessoal a mexer. No palco principal o destaque ia para os The Streets, os Australian Pink Floyd e os Groove Armada, enquanto que no palco secundário os concertos mais aguardados eram os de Vanessa da Matta, Patrick Wolf e Koop.
Ainda antes de iniciar o dia musical, e para ajudar ao cansaço, tive a infeliz oportunidade de assistir ao rebentar de um dos elásticos que segurava o Smart que era usado no Bungee Car, uma espécie de bungee jumping mas dentro dum carro. Foi um susto dos diabos ver aquela coisa pequena às cambalhotas no ar com pessoas lá dentro, ver os vidros a estilhaçar e tantos outros bocados do carro a soltarem-se. Felizmente, tudo acabou bem e os ocupantes do veículo só sofreram umas escoriações. Curioso foi notar que passados dois minutos do sucedido, já se formava uma nova fila de jovens imberbes ansiosos por entrar dentro do carro e sentir aquela adrenalina que os “acidentados” sentiram. Mas os coitadinhos sofreram uma desilusão, pois o divertimento foi interrompido temporariamente, como não podia deixar de ser, para tratar dos estragos e repor a ideia de segurança necessária àquele tipo de actividades.

Como o remédio para o susto só podia vir de uma boa dose de música, fui imediatamente tratar disso e é do que falarei em seguida. No palco principal, o dia começou com os Air Traffic. Em tempo de crise na segurança aeronáutica, estes controladores aéreos não me descansaram nada. Não sei se estava muito distraído, mas não houve nada de importante assinalar sobre a sua prestação. Uma banda rock com piano, às vezes perto da balada e outras a acelerar mais. Uma proposta não muito estimulante que não servirá para mais tarde recordar.
O segundo já me despertava muito mais interesse: Sérgio Godinho. Artista incontornável no panorama musical português, brindou algumas gerações com a sua música e palavras. No Sudoeste apresentou-se de forma muito descontraída e totalmente despretensiosa, o que lhe garantiu um concerto muito agradável. Entrou pelo palco a correr sob o lusco-fusco e debitou desde logo alguns clássicos e outros êxitos mais recentes: “Às vezes o amor”, “O rei vai nu”, “A democracia” ou “Marcha centopeia”. Sempre comunicativo e com um sorriso na cara, Sérgio Godinho descansou o fim de tarde com a sua voz já histórica, vivida e nostálgica.
Seguiu-se outro português, este mais recente e humilde reconhecedor da sua divida para com Sérgio Godinho; falo de Sam the Kid. Confesso que a sua música me diz pouco, mas é preciso reconhecer que ao vivo ganhou muito com a presença de uma banda: o baixo enchia o som de uma forma contagiante e a bateria, muito mais orgânica, dava outra dimensão à música. Foi o primeiro a compor a multidão em frente ao palco e a arrancar um monumental coro com a música Abstenção. Foi engraçado ver o público a gritar a alto e bom som, com toda aquela convicção efémera das massas, “o povo unido jamais será vencido!”. Após este momento inicial o concerto esmoreceu um pouco e dispersei-me por outras andanças até ao final do mesmo. Ainda fui a tempo de assistir a um momento muito simpático, em que Samuel Mira chama ao palco, em jeito de homenagem, o seu pai e a sua irmã que contemplaram e acenaram à multidão meio envergonhados.
Pouco depois foi a vez de as ruas invadirem o palco do Sudoeste com a sua poesia. The Streets era um dos nomes mais aguardados da noite pelos presentes e até eu mesmo tinha alguma curiosidade em ver como o projecto resultava ao vivo e naquele ambiente. O concerto não me fascinou mas teve alguns momentos interessantes, com Mike Skinner muito comunicativo, dirigindo-se ao público frequentes vezes no seu português macarrónico: “Mãos em cima”, “Saltem!” e por aí fora. A assinalar ainda um baixo poderoso que lançava um vento das colunas capaz de me despentear as pestanas, fosse nas incursões feitas ao Drum’n’Bass, ao Reggae ou ao Hip-Hop.
Devido a um atraso no voo dos Groove Armada, o seu concerto passou para último lugar e assim os Australian Pink Floyd tocaram antes. O meu pensamento para estes tipos era: “e porque não ver uma banda de tributo aos Pink Floyd num palco gigante e perante umas 30 mil pessoas?” Muito se fala sobre este projecto e há até quem diga que esta banda toca as músicas ainda melhor que os originais; eu cá não duvido. Mas confesso que se fosse ver Pink Floyd ao vivo não os queria ver a tocar tudo perfeitinho, presos aos Cd’s e esse tipo de coisas. Queria uns Pink Floyd como estes habituaram quem os conhece: genuínos e criativos, a divagar pelas suas paisagens sónicas e psicadélicas. Sobre esta versão australiana só tenho a dizer que são um grande fiasco: o instrumental é exactamente igual aos Cd’s, sem tirar nem pôr, e apenas a voz destoa grandemente. Diga-se que isto tira toda a magia e interesse da banda, pois tocar igual não é difícil; o verdadeiro mérito está no criar e no recriar. E é aqui que reside o absurdo da sua existência, pois não se pode exigir que toquem como os Pink Floyd, que improvisem sobre músicas que não são suas, com sentimentos que não totalmente seus. Isto levanta uma questão interessante: mas que raio faz uma banda de covers num festival deste tamanho e ainda por cima como cabeça de cartaz? Fica para reflectir.
No palco principal, a noite acabou com os Groove Armada num concerto que não podia agradar mais nesse fim de dia cansativo. Inesperadamente agradável, fechou a noite numa espécie de embalo, com a voz doce da vocalista acompanhada por muitos sing-alongs do público festivaleiro. O som estava incrivelmente bom, com uma definição do melhor que ouvi durante todo o evento, carregado de groove mas sem nunca perder a suavidade e a calma que transmitia. Cativava e electrizava os corpos em movimentos dançantes sem nunca cansar demais. A Herdade da Casa Branca não se podia ver invadida por uma armada melhor do que esta.

A par de Groove Armada, o concerto de Patrick Wolf no palco secundário foi o melhor do dia. Antes dele ainda assisti aos Eta Carinae, uma banda brasileira, que não deixou grande recordação; a Vanessa da Matta, que frustrou a minha curiosidade e as ideias que me tinham incutido sobre os seus concertos, cantando sobre banalidades e frases que se perdem num vazio pseudo-intelectualoide (talvez contagiada pela presença de Tiago Bettencourt, dos Toranja, minutos antes no mesmo palco); e Sondre Lerche, um tipo norueguês com cara de gozão, mas que demonstrou, com os seus pupilos, estar a passar um bom bocado em cima do palco e a transmitir com sucesso esse sentimento aos que assistiam ao concerto.
Mas a maior romaria no palco secundário, durante os quatro dias, deu-se com o concerto de Patrick Wolf. O público estendia-se muito para lá dos limites da tenda para assistir ao concerto explosivo que esta figura andrógina registou na edição do Sudoeste deste ano. O som de Patrick Wolf, para quem não conhece, é algo de bastante agradável e original. Às vezes podemos encontrar parecenças com Antony and the Johnsons ou até com os Arcade Fire, por causa dos violinos, mas a sua música percorre o Jazz, o Folk ou até alguma música erudita. Logo que entrou no palco foi possível perceber a quantidade de gente que lá estava para o ver, com algumas raparigas a lançar uns gritos histéricos e a darem uns saltinhos frenéticos. Mais um concerto a que deu prazer assistir, com uma personagem muito interessante pela sua sensualidade e presença em palco. Todo maquilhado e com brilhantes na cara e no corpo, sapatos de verniz, calções curtos e justinhos adequados à sua figura esguia, colares de bolas à volta do pescoço ou pendurados à cintura: era esta a indumentária que prendia todo o público. Para desespero dos seguranças, Patrick Wolf não se cansou de andar pelo meio do público, de ser apalpado, de ver as suas roupas quase destruídas e tudo mais. Não tardou muito para que ficasse em tronco nu e para que voltasse mais não sei quantas vezes para junto dos fãs, alternando com umas quantas quedas aparatosas e reboladelas em cima do palco. Certamente que este será um concerto a ficar na memória de muita gente e é ainda mais certo que serviu para alimentar o desejo de um regresso para breve.
A noite terminou com Koop, que deixou no ar uma atmosfera muito própria. Se não fosse o pó, seria impossível escapar à sensação de que estávamos num club de Jazz. Em contraste com os fatos elegantes dos músicos e o vestido glamouroso da cantora jazz Hilde Louise Asbjørnsen, a dupla Magnus Zingmark e Oscar Simonsson vestia uns tops curtinhos. Passaram o concerto muito discretos, escondidos atrás das suas mesas de mistura e instrumentária electrónica quase ofuscados pela pequena orquestra que os acompanha. Mais um concerto que gostava de ver com os outros olhos e com outros ouvidos num sítio diferente.

Amanhã há mais!

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