Crítica Pop: Nem Crítica Nem Pop
«E para aclarar o ar, e desocupar o espaço, algumas palavras pensadas acerca do que impensadamente eu e outros fazemos, ao escrever recados destes, com este tamanho e esta regularidade, sobre a música Pop.
De pantufas, para abrir o debate, sugiro que a crítica Pop é um exercício parasitário, trivial, inteiramente subjectivo, narcisista, volúvel, incoerente e efémero. Ou antes: é esse o máximo a que a crítica Pop pode, e deve, se for bem feita, aspirar.
E não quer isto dizer que apoie os músicos portugueses Pop, que não se cansam de chorar a crítica Pop que temos, empapando jornais e revistas com as ácidas lágrimas de não serem reconhecidos como os génios fabricantes de obras-primas que obstinadamente crêem ser. Pelo contrário: também eles, na sua maior e mais comovente parte, não possuem a noção grandiosa da sua própria trivialidade. Sabem que devem ser “cultura”, mas não sabem que cultura devem ser.
Tudo isto levou, em Portugal, a um ponto de absurdo empolamento da música Pop. Há música Pop a mais nas telefonias, música Pop a mais na televisão, música Pop a mais nos jornais, música Pop a mais nos recintos de recreação, música Pop a mais no pequeno espaço cultural português. E estão a fazer à música Pop o pior que alguma vez lhe podiam fazer: estão a levá-la a sério, a ler-lhe, no encanto instantâneo, os laivos terroristas de eternidade, e a analisá-la até à agonia. Estão a roubar-lhe o seu pequeno mas delicioso prazer: a sua futilidade cintilante, a sua natureza descartável – estão a amplificar a sua importância até rebentar o balãozinho colorido que é o Pop.
A crítica Pop jornalística (como esta) deveria espelhar essa pequenez: ser divertida, traiçoeira, bombástica, incoerente e fingidora, viver o seu escasso segundo de vida embriagada nos alcoóis gasosos da sua suprema, e apetecível, irresponsabilidade.
O inverso, a seriedade, não se justifica, senão nos pouquíssimos casos onde excepcionalmente alguma contribuição mais duradoura se fez (e se dissermos que, nos últimos cinco anos, só houve duas – os Talking Heads e os Joy Division –, a proporção ficará mais bem definida).
São apenas discos – e não há melhor encarnação do Pop do que o single – e é apenas música Pop, e os músicos Pop são apenas músicos Pop. Daqui a seis meses nada restará. Nada restará senão outros discos, outra música, outros músicos… Pop!
Já se deveria saber que, quando se diz, na crítica Pop, que determinado disco é “indispensável”, o prazo de validade dessa “indispensabilidade” raramente chega ao fim do mês. O Pop tem uma memória curta, uma esperança gigantesca e uma capacidade inusitada para o exagero: a crítica deveria reflecti-a, deveria ter a coragem e desplante de acompanhar-lhe as modas.
Não deveria ser aquilo que, em Portugal, inglória e maioritariamente tenta ser: doutoral, pedagógica, tecnicista, informada, séria, isenta, objectiva, desprendida. Sobretudo não deveria ser aquilo que os músicos portugueses desejam que seja. A crítica é sempre uma criação menor e, sendo a música Pop uma arte popular das menos importantes, a crítica deveria ser, ela também, ínfima. Nem criada de servir dos músicos ou das editoras, nem tão pouco sua professora de religião e moral.
Em Pop uma opinião vale tanto como outra. O mais que se pode pedir é que esteja bem expressa e divirto um pouco, exaspere um pouco, estimule um pouco quem a lê e – porque não confessá-lo – quem a escreve. Custa admitir a banalidade do trabalho do crítico – acaba por ser humano valorizar o nosso esforço, mas isso não quer dizer que não comece por ser errado. Só reduzidos à nossa insignificância absoluta poderemos alcançar a nossa significância relativa. É poucachinho?
É o que há…»
«E para aclarar o ar, e desocupar o espaço, algumas palavras pensadas acerca do que impensadamente eu e outros fazemos, ao escrever recados destes, com este tamanho e esta regularidade, sobre a música Pop.
De pantufas, para abrir o debate, sugiro que a crítica Pop é um exercício parasitário, trivial, inteiramente subjectivo, narcisista, volúvel, incoerente e efémero. Ou antes: é esse o máximo a que a crítica Pop pode, e deve, se for bem feita, aspirar.
E não quer isto dizer que apoie os músicos portugueses Pop, que não se cansam de chorar a crítica Pop que temos, empapando jornais e revistas com as ácidas lágrimas de não serem reconhecidos como os génios fabricantes de obras-primas que obstinadamente crêem ser. Pelo contrário: também eles, na sua maior e mais comovente parte, não possuem a noção grandiosa da sua própria trivialidade. Sabem que devem ser “cultura”, mas não sabem que cultura devem ser.
Tudo isto levou, em Portugal, a um ponto de absurdo empolamento da música Pop. Há música Pop a mais nas telefonias, música Pop a mais na televisão, música Pop a mais nos jornais, música Pop a mais nos recintos de recreação, música Pop a mais no pequeno espaço cultural português. E estão a fazer à música Pop o pior que alguma vez lhe podiam fazer: estão a levá-la a sério, a ler-lhe, no encanto instantâneo, os laivos terroristas de eternidade, e a analisá-la até à agonia. Estão a roubar-lhe o seu pequeno mas delicioso prazer: a sua futilidade cintilante, a sua natureza descartável – estão a amplificar a sua importância até rebentar o balãozinho colorido que é o Pop.
A crítica Pop jornalística (como esta) deveria espelhar essa pequenez: ser divertida, traiçoeira, bombástica, incoerente e fingidora, viver o seu escasso segundo de vida embriagada nos alcoóis gasosos da sua suprema, e apetecível, irresponsabilidade.
O inverso, a seriedade, não se justifica, senão nos pouquíssimos casos onde excepcionalmente alguma contribuição mais duradoura se fez (e se dissermos que, nos últimos cinco anos, só houve duas – os Talking Heads e os Joy Division –, a proporção ficará mais bem definida).
São apenas discos – e não há melhor encarnação do Pop do que o single – e é apenas música Pop, e os músicos Pop são apenas músicos Pop. Daqui a seis meses nada restará. Nada restará senão outros discos, outra música, outros músicos… Pop!
Já se deveria saber que, quando se diz, na crítica Pop, que determinado disco é “indispensável”, o prazo de validade dessa “indispensabilidade” raramente chega ao fim do mês. O Pop tem uma memória curta, uma esperança gigantesca e uma capacidade inusitada para o exagero: a crítica deveria reflecti-a, deveria ter a coragem e desplante de acompanhar-lhe as modas.
Não deveria ser aquilo que, em Portugal, inglória e maioritariamente tenta ser: doutoral, pedagógica, tecnicista, informada, séria, isenta, objectiva, desprendida. Sobretudo não deveria ser aquilo que os músicos portugueses desejam que seja. A crítica é sempre uma criação menor e, sendo a música Pop uma arte popular das menos importantes, a crítica deveria ser, ela também, ínfima. Nem criada de servir dos músicos ou das editoras, nem tão pouco sua professora de religião e moral.
Em Pop uma opinião vale tanto como outra. O mais que se pode pedir é que esteja bem expressa e divirto um pouco, exaspere um pouco, estimule um pouco quem a lê e – porque não confessá-lo – quem a escreve. Custa admitir a banalidade do trabalho do crítico – acaba por ser humano valorizar o nosso esforço, mas isso não quer dizer que não comece por ser errado. Só reduzidos à nossa insignificância absoluta poderemos alcançar a nossa significância relativa. É poucachinho?
É o que há…»
Miguel Esteves Cardoso in O Jornal, 2-4-82