sexta-feira, março 21, 2008

Silver Mt. Zion

Fez ontem uma semana que o mais recente trabalho dos canadianos Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra & Tra-la-la Band foi editado. Acho que não há uma altura mais oportuna para fazer uma pequena recuperação de todo o trabalho associado ao nome Silver Mt. Zion.

O projecto surgiu espontaneamente em meados de 1999, sem qualquer pretensão. O objectivo primeiro seria saciar a sede do guitarrista de Godspeed You! Black Emperor (GY!BE) Efrim Menuck de aprender a comunicar musicalmente, de aprender teoria musical.
Cedo, o objectivo primeiro foi colocado de parte - que se faça música com o coração e não com a cabeça - mas um concerto surgiu, marcado com o nome A Silver Mt. Zion, e o auxílio da violinista Sophie Trudeau e o contra-baixista Thierry Amar, ambos igualmente membros de GY!BE. Durante uma tour de Godspeed, um ente muito querido de Efrim adoeceu e a morte era inevitável; a sua vontade de lhe dedicar um álbum tornou-se uma necessidade e, com os trabalhos do guitarrista, juntaram-se as três pessoas responsáveis pelo único concerto: surgiu o triste e melancólico He Has Left Us Alone but Shafts of Light Sometimes Grace the Corner of Our Rooms… Um álbum maioritariamente instrumental, mas com duas melodias que contêm vozes: um passo inovador no trabalho destas pessoas. Uma tendência que tem vindo a alastrar, a contagiar os restantes álbuns de uma forma cada vez mais grave, e cada vez melhor.


O nome do projecto foi sofrendo uma evolução que acompanhou igualmente o crescimento da banda - às iniciais três, juntaram-se quatro simpáticas almas. A Silver Mt. Zion começou a fazer sentido enquanto The Silver Mt. Zion Memorial Orchestra & Tra-la-la Band, mais enquanto Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra & Tra-la-la Band with Choir e finalmente Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra & Tra-la-la Band. Se os álbuns foram assim recordados, o único EP, The "Pretty Little Lightning Paw" E.P., ficou marcado com o nome Thee Silver Mountain Reveries. Se o primiero era um álbum simples, como o nome, os trabalhos que se seguiram foram reflexo daquilo em que a banda se tornava, com mais pormenores, mais trabalhados, mais sérios. Se Silver Mt. Zion começou como um projecto paralelo, cedo ocupou o papel principal na vida destes músicos.

The Silver Mt. Zion Memorial Orchestra & Tra-la-la Band assinou o álbum "Born into Trouble as the Sparks Fly Upward", que era mais cantado, mais revoltado e desesperado: no fim do álbum, depois da música que insulta toda um industria de músicos hipócritas e cobardes, ouvimos crianças a questionarem-se, durante uma brincadeira, sobre como seria o mundo depois de os amigos responderem aos apelos da banda. É um álbum de fé.
"This Is Our Punk-Rock," Thee Rusted Satellites Gather + Sing acrescentou um coro ao projecto e intensificou as ambiências da banda com tendências ainda mais neoclássicas. Soa a retrospectiva, principalmente quando ouvimos "Goodbye Desolate Railyard", que parece falar do famoso hotel2tango, situado por debaixo de um caminho de ferro; no fim ouvimos cânticos: «everybody gets a little lost sometimes».
Finalmente chegam os problemas que assombram a banda, em Horses in the Sky. Críticas às guerras, canta-se a esperança e pede-se coragem a quem quiser ouvir. Aqui, a banda apercebe-se da importância das vozes, das mensagens, a força com que têm de as proferir. Cantam todos, como quem pretende universalizar o pensamento sobre os problemas de um mundo inteiro.
O último trabalho da banda insere-se mais na linha dos primeiros trabalhos, que cantam uma revolta. 13 Blues For Thirteen Moons é composto por músicas que eles já tocavam ao vivo. Decidiram juntá-las, num álbum que fizesse sentido; por isso tardaram. Mais do que a necessidade de mudar o mundo, este álbum mostra a urgência de mudar as mentalidades - e assim faz sentido que as músicas não estivessem já integradas em trabalhos anteriores.


Ideologicamente, este projecto acabou por ocupar o lugar que os Godspeed não conseguiram preencher: o de transmitir ideias que as pessoas percebessem. Enquanto o antigo projecto era feito a partir do subversivo, com mensagens que exigiam ser descodificadas e desmontadas - assim como muitos dos males do nosso mundo, e isso era parte do interesse da banda, ser ela própria um mal -, este segue uma ideia mais Punk de "se tens algo a dizer, di-lo e bem alto". Mas não é uma banda de conteúdo tão político quanto GY!BE, e eles próprios gostam de diferenciar isso: por isso é que Silver Mt. Zion não é um projecto tão abstracto, ainda que as suas mensagens sejam ricas em metáforas pouco fáceis - as suas ideias também não são de acessível compreensão, sendo muito objecto de preconceito. É claro que essa dificuldade de compreensão se reflicta no facto de os canadianos não se considerarem uma banda de intervenção, mas antes uma banda com opiniões; é hábito deles dizer que se limitam a escrever nas suas letras aquilo que, entre amigos, costumam conversar.

É engraçado perceber esta necessidade de comunicar que os Silver Mt. Zion sentem e que se nota tão bem nos seus trabalhos. Inicialmente, as suas mensagens estavas escritas nos títulos que davam às coisas: frases grandes e algo complexas que completavam a ideia da música instrumental; já as músicas cantadas falavam por si. E agora as músicas, sendo todas cantadas, falam todas por si; as letras em Silver Mt. Zion adquiriram uma importância imensa na comunicação que eles pretendem estabelecer. Musicalmente, isso nota-se muito, pois a banda que inicialmente era instrumental com algumas raridades cantadas tornou-se numa banda de música cantada e de letras bem fortes e sentidas - agora, não é só o Efrim que canta, mas, sempre que é necessário, os restantes seis membros também o fazem.

Instrumentalmente, a banda tem traçado um caminho muito peculiar. O seu topo é, sem qualquer sombra de dúvida, o último álbum, que marca um pico, mas não um culminar. É uma banda de identidade muito própria e vincada, mas que não parece que tenha parado de crescer. A sua sonoridade é tão rica em termos de influências que é impossível de definir em que quadro musical se inserem, senão o que eles mesmos desenharam: um quadro de bandas como Fly Pan Am, GY!BE, Hangedup, etc., que marcaram a música de Montreal com as suas formas musicais muito vincadas e próprias.

Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra & Tra-la-la Band é das melhores bandas actuais (em todos os sentidos possíveis de extrair desse 'melhores') e não me parece que seja um projecto condenado aos grandes trabalhos de antes. A sua evolução é tão notória e a humildade com que trabalham é imensa; algo me diz que só descansam quando não se conseguirem revolucionar a si mesmos, como têm feito até agora.

Sem comentários: