A noite começou com uns estranhos Flanela de Tal. Algo completamente fora, de um planeta distante, que quase que adquiria alguns contornos ridículos. Mas desminta-se: foi entretenimento. As melodias de uma guitarra, raramente acompanhado com mais do que uma voz, sobre umas batidas sampladas faziam a música desta banda, que pouco fugiu à fórmula apresentada - eventualmente um piano, outra guitarra ou mais uma voz. E três pessoas chegavam para o grotesco espectáculo, pintado em tons de "amarelo canário", como os dedos dos "rapazes que fumam nos balneários", nas palavras dos próprios - isto é uma letra, claro está. Alguns gritos de "come a caspa! Cospe a caspa!" precederam os Yupies que querem ser groupies e todo o concerto foi aparatoso e estranho. Abstenho-me de qualquer opinião, que este é um que não conheço bem. Conheço, pouco, de música e já vi alguns concertos, deu para reparar que a banda estava 'verde' em palco, com alguns problemas em acertar nos tempos. Mas atitude não lhes faltou.
Mas nada fazia prever aquilo que foi a senhora (sim, "senhora" é a palavra, para evitar "mulherão" e "besta apocalíptica") Lydia Lunch e tudo aquilo que o seu Spoken Word acarreta. Um espectáculo rico em imagens e sons, complementado pela performance de uma excelente actriz que subjugou o palco e hipnotizou o público. Aliás, o contrário verificou-se muito mais: tudo pareceu um adereço da senhora Lydia Lunch, desde a audiência à própria música; o espectáculo poderia ser só ela a falar numa sala deserta que seria igualmente incrível.
Quando, depois de se arrumar o palco para a norte-americana - por arrumar entenda-se retirar os instrumentos todos e colocar dois microfones e um suportezinho, daqueles em que se colocam pautas, enfeitado com um molho de folhas - pouco tardou até que a senhora que se conhece das fotos entrasse. Com ela vinha um ar cansado, desgasto pela idade que já tem (diga-se, com toda a gentileza, que a senhora nasceu em 1959), mas aperaltado por um bonito vestido. Esclareçam-se as coisas, "Thank you for coming. Let me entertain you", aprontou-se a dizer, tomando o espectáculo de imediato com a sua "Hangover".
Toda a actuação ficou marcada pelas ambiências e pelos sentimentos que Lydia Lunch conseguiu partilhar, desde a maior decadência ao espírito mais humano e egoísta. Ouviu-se sobre drogas, alucinações, sexo, morte em todas as suas formas e liberdade, tudo sem os tabus característicos a estes temas; todos consumimos drogas, todos alucinamos, todos desejamos, todos morremos, matamos ou cometemos suicídio, todos desejamos a liberdade e já todos a esquecemos, e por lembrar nada disto ficou. Isto, que era mais que claro para quem ali mandava e hipnotizava; e se dúvidas restavam sobre de quem era o espectáculo, a senhora acendeu o cigarro, mesmo sob aviso. "Are you going to stop me?", atirou logo retoricamente, rematando com um arrastado "where is the fucking police when you feel like fucking the police?" depois de se aperceber porquê o aparato. Ficámos esclarecidos.
Ovação atrás de ovação, percebemos que o que é pesado naquela alma não é a idade, mas a própria consciência de quem não tem tabus e vive abertamente. Aqueles textos eram reflectidos, pensados e/ou vividos; eram fluídos e estavam perfeitamente enquadrados com as ambiências para eles recriados, tanto através da música (ainda que complexa conseguiu não reter a atenção de ninguém), como através do uso de diferentes microfones - um com som limpo e outro com efeitos, que funcionava dramaticamente -, ou ainda dos vídeos feitos pela própria artista. E o que atribui a toda a actuação contornos ainda mais perturbadores foi a interacção fenomenal de Lydia Lunch com o público, apontando, fitando os olhos e falando com todos os presentes, um a um. Apontou para um senhor no canto e perguntou-lhe se alguma vez lhe apeteceu matar o demónio, mesmo depois de ter interrogado uma rapariga sobre se alguma vez tinha tido a sensação de estar a dormir com o demónio; fitou alguém e disse "you better believe... you better believe in ghots. 'Cause soon you'll become one". Ainda que a resposta viesse dela mesma, era mais que suficiente: estava criado um diálogo, uma interacção. Um palco que parecia vazio estava realmente cheio.
Lydia Lunch não é uma senhora de palco, mas sim A senhora de palco. Acreditam quando eu digo que tudo o que aqui disse não é exagerado. Em tom de exagero, diria que tudo o que debitei em cima é pouco. E talvez seja...
Mas nada fazia prever aquilo que foi a senhora (sim, "senhora" é a palavra, para evitar "mulherão" e "besta apocalíptica") Lydia Lunch e tudo aquilo que o seu Spoken Word acarreta. Um espectáculo rico em imagens e sons, complementado pela performance de uma excelente actriz que subjugou o palco e hipnotizou o público. Aliás, o contrário verificou-se muito mais: tudo pareceu um adereço da senhora Lydia Lunch, desde a audiência à própria música; o espectáculo poderia ser só ela a falar numa sala deserta que seria igualmente incrível.
Quando, depois de se arrumar o palco para a norte-americana - por arrumar entenda-se retirar os instrumentos todos e colocar dois microfones e um suportezinho, daqueles em que se colocam pautas, enfeitado com um molho de folhas - pouco tardou até que a senhora que se conhece das fotos entrasse. Com ela vinha um ar cansado, desgasto pela idade que já tem (diga-se, com toda a gentileza, que a senhora nasceu em 1959), mas aperaltado por um bonito vestido. Esclareçam-se as coisas, "Thank you for coming. Let me entertain you", aprontou-se a dizer, tomando o espectáculo de imediato com a sua "Hangover".
Toda a actuação ficou marcada pelas ambiências e pelos sentimentos que Lydia Lunch conseguiu partilhar, desde a maior decadência ao espírito mais humano e egoísta. Ouviu-se sobre drogas, alucinações, sexo, morte em todas as suas formas e liberdade, tudo sem os tabus característicos a estes temas; todos consumimos drogas, todos alucinamos, todos desejamos, todos morremos, matamos ou cometemos suicídio, todos desejamos a liberdade e já todos a esquecemos, e por lembrar nada disto ficou. Isto, que era mais que claro para quem ali mandava e hipnotizava; e se dúvidas restavam sobre de quem era o espectáculo, a senhora acendeu o cigarro, mesmo sob aviso. "Are you going to stop me?", atirou logo retoricamente, rematando com um arrastado "where is the fucking police when you feel like fucking the police?" depois de se aperceber porquê o aparato. Ficámos esclarecidos.
Ovação atrás de ovação, percebemos que o que é pesado naquela alma não é a idade, mas a própria consciência de quem não tem tabus e vive abertamente. Aqueles textos eram reflectidos, pensados e/ou vividos; eram fluídos e estavam perfeitamente enquadrados com as ambiências para eles recriados, tanto através da música (ainda que complexa conseguiu não reter a atenção de ninguém), como através do uso de diferentes microfones - um com som limpo e outro com efeitos, que funcionava dramaticamente -, ou ainda dos vídeos feitos pela própria artista. E o que atribui a toda a actuação contornos ainda mais perturbadores foi a interacção fenomenal de Lydia Lunch com o público, apontando, fitando os olhos e falando com todos os presentes, um a um. Apontou para um senhor no canto e perguntou-lhe se alguma vez lhe apeteceu matar o demónio, mesmo depois de ter interrogado uma rapariga sobre se alguma vez tinha tido a sensação de estar a dormir com o demónio; fitou alguém e disse "you better believe... you better believe in ghots. 'Cause soon you'll become one". Ainda que a resposta viesse dela mesma, era mais que suficiente: estava criado um diálogo, uma interacção. Um palco que parecia vazio estava realmente cheio.
Lydia Lunch não é uma senhora de palco, mas sim A senhora de palco. Acreditam quando eu digo que tudo o que aqui disse não é exagerado. Em tom de exagero, diria que tudo o que debitei em cima é pouco. E talvez seja...
Infelizmente não estava em condições para tirar fotografias, algo que deve ter tornado o texto mais pesado... Mas em compensação vou tentar arranjar alguns momentos fotográficos deste concerto ou do de Guimarães.
2 comentários:
Uma voz que entra em nós e não nos deixa em paz, arrepiando a pele, fazendo a nossas pernas tremer até nos abandonar as forças e bater-mos com os joelhos no chão.
FENOMENAL MULHER.
Mais uma excelente posta André, os meus parabens.
Também lá estive a concordo com todas as tuas palavras: foi um excelente concerto, ela é um animal de palco. Tirei algumas fotos que infelizmente não ficaram nada de jeito.
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