domingo, novembro 25, 2007

Godspeed You! Black Emperor


God Speed You! Black Emperor é o título de um documentário japonês de 1976, dirigido por Mitsuo Yanagimachi que fala de um grupo de 'motards' (se é que lhes posso chamar assim) nipónicos chamado precisamente Black Emperors. Em 1994 um grupo de amigos reuniu-se adoptando um nome semelhante ao do documentário, assumindo influências musicais variadas, desde o dito clássico/erudito ao punk - a mais clara influência na sua música é ao nível da guitarra e da construção das músicas em alguns pontos, que soa um tanto a Savage Republic. Esta pode ser uma mistura inconstante, e isso reflecte-se mesmo na própria banda, cujo alinhamento chegou a ter 20 elementos; felizmente para todos, acabou por assentar em nove iluminados que conduziriam o projecto até 2003, altura em que suspenderam o projecto, não lhe decretando um fim - aguarda-se um regresso fervoroso.

Os Godspeed (o diminutivo fofo) cedo ganharam alguma projecção pelo seu trabalho - mesmo que evitando cair no mainstream e por isso ser uma banda quase de elite, que se conhece de boca em boca, partilhada por um amigo -, sendo provavelmente os primeiros de uma onda de músicos de Montreal cuja qualidade, irreverência e génio relembra a boa Madchester (alcunha de Manchester nos finais de 70 e inícios de 80, terra das grandes bandas de então). A realidade é que toda a importância que a banda viria assumir deu-se somente depois da sua estreia em LP e CD, por uma pequena editora, quando o Post-Rock começou a ser bem visto - já estava editado o Young Team dos Mogwai. Essa estreia foi com o álbum F# A#, de três músicas nada curtas mas cheias de tudo: uma pequena introdução, com uma gravação de alguém a falar do mundo, uma máquina triste que vivia de bandeiras ("The Dead Flag Blues"), uma orquestração bonita e lenta; depois começava a sua música, duas delas aliás, um grande crescendo de 20 minutos, outro de 29, cujas melodias demoram a ser desmontadas, mas que quando entram encantam qualquer um.


O percurso dos Godspeed foi marcado por uma evolução, que não os levou a abdicar de forma alguma do som que lhes é característico. Primeiramente, as suas composições viviam imenso das gravações que davam sentido ao que se iria ouvir, algo que se foi perdendo. No último trabalho de estúdio da pequena orquestra, intitulado Yanqui U.X.O., não há registo de gravações, sequer, e nos dois anteriores (um EP e um álbum) estas não conduziam as melodias, encerravam-nas, como meras explicações. Mas a nível de sonoridade, a evolução mais clara é ao nível da própria onda: se no início o Rock ainda era um influência clara e cada vez mais importante na abstracção da música dos Godspeed You! Black Emperor [GY!BE] - sendo o culminar no álbum Lift Your Skinny Fists Like Antennas to Heaven, definitivamente o trabalho mais 'arrockalhado' da banda, ainda que extremamente orquestrado -, essa importância foi perdendo espaço para a orquestra quase clássica que eles eram, tornado-se a banda cada vez mais neo-clássica. O Yanqui U.X.O. é um grande álbum por marcar, principalmente, o culminar de um processo. Este é o álbum em que os Godspeed You! Black Emperor assumem o seu papel enquanto orquestra, com composições perfeitamente clássicas, distintas pela presença de guitarras eléctricas e uma bateria ("09-15-00" e "Motherfucker=Redeemer"), e outras que são quase valsa (repare-se no início da "Rockets Fall on Rocket Falls").

A banda não só é uma influência para imensas bandas que têm vindo a surgir no Post-Rock, como acabou por se tornar um mote para o surgimento de vários projectos dentro do que seria supostamente principal: A Silver Mt. Zion, Set Fire To Flames, Fly Pan Am, Black Ox Orkestar, Valley Of The Giants, Kiss Me Deadly, Exhaust e outros tantos projectos cuja existência eu não nego, mas a qual devo desconhecer. Todos os projectos mencionados têm elementos da orquestra de nove GY!BE, representando o projecto-mor desmontado nas suas influências, ou seja, cada um destes projectos apresenta um único lado de Godspeed. A Silver Mt. Zion junta o político de com o neo-clássioco, sendo conhecido como a versão de câmara de Godspeed; Set Fire To Flames junta a abstracção cm as gravações; e Fly Pan Am será um lado mais electrónico e Post-Rock, sendo estes os três principais projectos paralelos e que, com a suspensão da acção dos GY!BE se tornaram em projectos principais (os outros continuam paralelos e já envolvem membros de outros projectos, como dos Arcade Fire - que dizem ser um projecto de tributo a A Silver Mt. Zion, algo que me parece exagerado, mas não descabido, principalmente por causa da parecença voz dos vocalistas em questão - e Broken Social Scene, ou precedem GY!BE no percurso de alguns elementos).


Este projecto também serve de exemplo para a tese que apresentei há uns tempos no blogue, que defendia que a política e a música têm uma ligação muito natural. Apesar de GY!BE ser um projecto puramente instrumental (ao contrário de A Silver Mt. Zion), ao vivo esta sua natureza transparecia com os vídeos que complementavam as suas actuações e na quase totalidade da sua discografia encontra-se presente nas gravações escolhidas, que apresentam maioritariamente visões depressivas e desoladas da nossa sociedade. Esta sua vertente também se observou pelas opções a nível de editoras da banda, sempre 'minors', evitando assim a indústria mainstream, da qual eles são fortes críticos, e pela fuga ao contacto com os meios mediáticos de comunicação social (há mesmo poucas entrevistas à banda disponíveis na web).

Godspeed You! Black Emperor proporcionou-me uma das experiências musicais mais ricas dos últimos 10 anos, e certamente que não estou sozinho nesta forma de os ver. São uma banda coerente não só a nível ideológico, como a nível musical (que será o mais importante). Os seus trabalhos são dotados de melodias das mais belas, carregadas de tristeza, ainda que complexificadas pelo número de instrumentos que as constrói, de rasganços furiosos e enraivecidos que contagiam qualquer um, e de um poder de abstracção sério, fruto da profundidade da música. Do trabalho curto que têm, é impossível declarar um álbum superior a outro, uma música melhor que outra: são peculiares e homogeneamente heterogéneos, cada um com o seu som, mas sempre com a mesma sonoridade. Os Godspeed You! Black Emperor têm aquilo que uma banda deve ter: a capacidade de inovar e de reinventar o que fizeram sem que nenhum dos seus trabalhos perca valor ou qualidade, tanto os que precederam como os que resultaram são exemplos de música erudita e de excelência.

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