terça-feira, outubro 12, 2010

Mais uma entrevista a Albini

Esta vem por sugestão na caixa de comentários. E vem bem bem. Ora vejam:

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E qual é a sua conexão com o pessoal do ATP? Você é algum tipo de conselheiro?
Não exatamente. Sou amigo há bastante tempo do Barry e da Debbie, as pessoas que organizam o ATP, e temos uma antiga associação com o festival. Tocamos no segundo ano, e depois fomos curadores de outra edição. Nós tocamos basicamente todas as vezes que eles nos convidam. O ATP é de fato notável. Eles mudaram a maneira como os festivais funcionam, no mundo inteiro. Antes do ATP os festivais eram desses eventos deploráveis só voltados para o lucro, e todas as bandas associadas que tocavam o faziam por alguma razão estranha voltada para o lucro. Ninguém realmente achava que os festivais tinham alguma personalidade. Era somente um caminho para fazer dinheiro fácil durante uma turnê. Ou bandas menores que não eram muito conhecidas usavam os festivais como uma forma de gerar algum interesse na banda, e eles ainda eram obrigados a pagar para tocar em alguns desses festivais. A coisa toda era institucionalizada e bastante desagradável. O ATP de fato mudou tudo. Ter uma banda escolhendo outras bandas, como curadores endossando as outras bandas, e tendo o dinheiro distribuído de uma maneira igualitária entre as bandas, e tendo as bandas e os patrocinadores convivendo juntos de uma maneira mais social… é totalmente único. Isso realmente mudou a maneira como os festivais são organizados. Como o ATP teve sucesso fazendo isso, todos os outros festivais tiveram que melhorar e providenciar uma maior variedade de artistas. Tiveram que tratar melhor as bandas, serem mais igualitários na maneira como as bandas e os patrocinadores são tratados. Eles realmente forçaram outras pessoas a competirem com eles. Tenho muito respeito por isso.

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Você mencionou algo sobre bandas pagarem para tocar em festivais. Nós temos uma grande discussão no Brasil, de bandas que bancam para tocar em festivais, enquanto outras acham isso errado.
Isso é utópico. Um festival deve ser organizado de uma forma que bandas que as pessoas gostariam de ver são apresentadas para as pessoas que gostariam de ver as bandas. Se alguém está pagando para tocar significa que existe um critério diferente envolvido, e instantaneamente me faz suspeitar do festival. Me faz achar que há algo fundamentalmente errado. Não necessariamente acho que as bandas que estão pagando para tocar estão fazendo algo errado, só estão fazendo algo tolo. Mas não coloco alguma consideração moral ou ética nisso. Acho que elas estão fazendo algo tolo porque elas estão pagando por algo que elas deveriam estar recebendo. E elas também estão se apresentando para um público que não gosta delas o suficiente para pagar. Então elas estão fazendo um show que talvez não valha a pena fazer, gastando dinheiro pelo privilégio de fazer um show que não vale à pena. É tolo, mas não necessariamente algo eticamente ou moralmente errado. Quem promove, o pessoal que está aceitando esse dinheiro, estes sim estão fazendo algo eticamente errado.

(...)

O que você acha de jornalismo musical? Eu estava lendo o fórum do Electrical Audio e vi um post seu com opiniões bem fortes sobre o tema.
Bem, o problema com jornalismo musical é que ele é publicado em um jornal como se fosse jornalismo de verdade, mas no qual os padrões profissionais do jornalismo não se aplicam. Em um artigo normal, se um repórter publica algo fundamentalmente incorreto, como o nome do prefeito ou de um esportista famoso, ele é demitido. Não é aceitável no jornalismo convencional encontrar fatos simples apresentados de maneira errada. No jornalismo musical, ninguém se importa. Você pode publicar um monte de coisas erradas e só rola um: “ok, não tem problema, não importa”. Não é levado a sério. Jornalismo musical não é levado a sério como jornalismo nem pelas pessoas que o praticam, nem pelas publicações que o usam. Então, um monte de informação errada é publicada e acaba virando registro histórico. Se alguém escreve algo incorreto em um jornal ou em um website e depois dez outros jornais ou websites fazem referência a essa informação errada, isso se transforma em algo inconcreto, e dali para frente vira história. E eu acho isso terrível, porque existe jornalismo de verdade que poderia ser feito. Tem um monte de assuntos que tem a ver com música. Por exemplo, o que você descreveu, de bandas pagarem para tocar em festivais, ou festivais aceitando dinheiro do governo e sendo tão ineficientes que não podem pagar as bandas, isso são pautas para jornalismo de verdade. Alguém deveria escrever sobre isso. O público de música se interessaria por isso. Poderia ser jornalismo de verdade. Mas ninguém está escrevendo esses artigos. Ao invés disso eles estão escrevendo coisas como o que essa pessoa está vestindo, ou que tipo de maquiagem esse outro está usando, quem está namorando com quem ou quem usa drogas, essas coisas. Isso é merda, pura merda. E mesmo nessa área limitada de merda, jornalistas musicais podem publicar erros fundamentais que ninguém se importa.

Eu tenho amigos jornalistas e o que eles dizem de publicar artigos estúpidos, como o que as pessoas vestem, acabam tendo mais leituras. Eles acompanham os links nos sites e portais e esses artigos são sempre os mais lidos. As pessoas realmente querem saber o que os outros estão vestindo.
Não existe nenhuma lei que diz que jornalismo deve ser feito para as pessoas mais estúpidas do mundo. Se o seu jornalismo é feito para atrair o máximo de pessoas de algum tipo para lerem o que você escreve, então não há razão para fazer algo específico em música. Porque se você escrever sobre outra coisa, então mais pessoas vão ler. Se você escrever sobre a Copa do Mundo, mais pessoas vão ler do que sobre música, então por que você está escrevendo sobre música? Se você decidiu que quer escrever sobre música, essa é uma decisão sua não baseada no que é mais popular. Então você tem uma obrigação de levar isso a sério, porque você escolheu escrever sobre música. O argumento de que isso é mais popular, “é isso que as pessoas gostam”, não significa nada para mim. Porque o que é popular, o que as pessoas gostam, é de McDonald’s, Coca-Cola. Isso é popular. Mas não é necessariamente a melhor coisa para comer ou beber. E se você escrever sobre comida, talvez você deva escrever sobre as melhores comidas que as pessoas podem comer ou beber, ou dizer que tipo de problema elas teriam se elas só comessem McDonald’s e tomassem Coca-Cola.
(...)"

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